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A perfeição é uma roupa que não me cabe mais


Sobrevivemos a 2020 e, em meio a tantas reflexões deste ano que findou, uma foi a que mais me tocou: Gabi Oliveira, influencer digital, em um de seus episódios do podcast “Afetos”, falou sobre “O peso da excelência”.


É absurdamente espantoso como naturalizamos o peso de ser sempre mais. Ser uma pessoa negra tem que ser duas vezes melhor. Ser uma pessoa negra com consciência racial tem que ser três vezes melhor. Ser uma mulher negra, com consciência racial e periférica, vem com o fardo de ser 10 vezes melhor. E este fardo carregamos desde o nosso nascimento.


Nascer negro no Brasil é uma condicionante de que sua infância durará, em média, até os cinco anos. Depois disso, a sociedade nos cobra e nos julga.


O menino, a partir dos seis anos, já é intitulado como “pivete” e suspeito caso algo do local onde ele esteja desapareça. A menina, certamente, poderá ser condicionada ao trabalho doméstico e assumir responsabilidades na casa. Aos nove, muitas crianças passam a ser hipersexualizadas.


E para não tornarmos o que a estrutura racista nos condiciona, somos educados a sermos 10 vezes melhores em qualquer trabalho/relacionamento/projetos que nos dedicamos a fazer/ser. E todo este processo é tão bem construído que, muitas vezes, não importa o quanto nos dedicamos ou quantas vezes efetivamente nos tornamos melhores, se não alcançamos o que sonhamos destruímos a nossa saúde mental.


Exigimos de nós um padrão cheio de perfeccionismo, onde nunca acreditamos que estamos ou somos bons o suficiente. Convivo com mulheres geniais, que fazem um verdadeiro malabarismo para conseguir estudar para concursos, cuidar de suas casas, de seus familiares, do trabalho, do estudo acadêmico e de si. Mas, da mesma forma, muitas delas (de nós) se cobram por não conseguir a excelência em tudo.


Mano Brown, em sua música “A vida é desafio”, apresenta uma reflexão sagaz:


Desde cedo à mãe da gente fala assim:

'filho, por você ser preto, você tem que ser duas vezes melhor. '

Aí passado alguns anos eu pensei:

Como fazer duas vezes melhor, se você tá pelo menos cem vezes atrasado pela escravidão, pela história, pelo preconceito, pelos traumas, pelas psicoses... por tudo que aconteceu? duas vezes melhor como ?

Ou melhora ou será melhor ou pior de uma vez.

E sempre foi assim.

Quem inventou essa ideia de que temos que ser dez vezes melhor em tudo, faça o favor de “desinventar”, estamos cansadas desta injustiça! Não é justo que o peso recaia entre os nossos, quando a responsabilidade é de um país racista que sequestrou, escravizou, silenciou o nosso povo e, se quer, reparou os danos sofridos. É cansativo ser duas, três, dez vezes melhor e, ainda assim, ser suficiente para um sistema que já determinou o que é e o que não é o meu lugar.

É cansativo não ter o direito ao erro e, até nisso, tentam roubar a nossa humanidade. Pois, eu nunca estou sozinha e em qualquer local que esteja eu represento a negritude, e o fardo de abrir e fechar portas também é pesado. Ser o exemplo também adoece.


Meu desejo para 2021 é que este fardo não seja tão pesado, que possamos mover a estrutura e não mais carregá-la em nossos ombros. Desejo que em 2021 todas nós possamos recuperar esta parte de nossa humanidade que foi condicionada a ser perfeita, que a síndrome de impostora não nos encontrem e nos atentemos que:


“Observem muito bem o nível das pessoas brancas com as quais vocês convivem. Revejam as expectativas que vocês têm sobre elas, a proporção entre suas promessas e ações concretas. Você vai perceber que para toda Excelência Negra existe uma mediocridade branca”, Nathália Braga.



Juliana Lima

Advogada

*Este artigo é produzido com o apoio do Fundo Baobá, por meio do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco. Ele reflete a opinião da Abayomi Juristas Negras e não dos apoiadores que contribuíram com sua produção.






Podecast Afetos: O peso da excelência


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