Após 132 anos da abolição da escravidão no Brasil, a população negra ainda é vítima de crimes de injuria racial ou racismo, ocasionando problemas psicológicos em decorrência destes delitos. Racismo é crime e, por isso, é de extrema importância que a população negra saiba como denunciá-lo.
Conforme a Lei 9.459/1997, art 140,
Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: (…) § 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: Pena – reclusão de um a três anos e multa.
Esta lei deve ser aplicada quando alguém ofende, diretamente e individualmente, o outro pela sua raça.
Já a Lei 7.716/1989, art 4, descreve os casos de crimes raciais em empresas. Veja:
Art 4. Negar ou obstar emprego em empresa privada
Pena: reclusão de dois a cinco anos.
§ 1o Incorre na mesma pena quem, por motivo de discriminação de raça ou de cor ou práticas resultantes do preconceito de descendência ou origem nacional ou étnica:
I - Deixar de conceder os equipamentos necessários ao empregado em igualdade de condições com os demais trabalhadores;
II - Impedir a ascensão funcional do empregado ou obstar outra forma de benefício profissional;
III - Proporcionar ao empregado tratamento diferenciado no ambiente de trabalho, especialmente quanto ao salário
§ 2o Ficará sujeito às penas de multa e de prestação de serviços à comunidade, incluindo atividades de promoção da igualdade racial, quem, em anúncios ou qualquer outra forma de recrutamento de trabalhadores, exigir aspectos de aparência próprios de raça ou etnia para emprego cujas atividades não justifiquem essas exigências.
Ou seja, é crime de racismo quando alguém diferencia o tratamento para com o outro por sua cor, em entrevistas de emprego ou dentro das próprias empresas.
De acordo com o portal G1, a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) registrou um crescimento de 65% no número de casos de racismo ou injuria racial entre os meses de janeiro e maio de 2018, quando comparados com o mesmo período de 2017. Os estados com maior número de denúncias foram: São Paulo, Rio de Janeiro, Acre, Rio Grande do Sul e Bahia.
Um levantamento realizado pelo Laboratório de Análises Econômicas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (Laeser) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), publicado pelo portal Geledés, divulgou que em quase 70% das ações judiciais de crime de racismo ou injúria racial do país quem ganha é o réu.
Segundo o artigo “eficácia das penalidades nos crimes de racismo e injúria racial”, de Cassiane de Melo Fernandes, a maioria das condenações no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) são improcedentes por falta de provas, por erro humano ou por considerar o racismo ou a injuria racial uma “brincadeira” da parte do réu.
Há várias diferenças entre o crime de injuria racial e de racismo contudo, o Supremo Tribunal Federal (STF) admitiu, em Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 983.531, a equiparação de imprescritibilidade e inafiançabilidade entre esses dois crimes. Esta decisão ocasionou várias consequências jurídicas, punibilizando assim, mais severamente, o autor do crime de injuria racial.
A grande diferença deste Agravo é que o crime de racismo passa a ser de ação penal pública incondicionada, ou seja, a ação penal é proposta pelo Ministério Público (MP) que se tornará o titular da ação penal e acompanhará o processo até seu término, independente se a vítima acompanhar o caso ou não. Já a ação penal do crime de injuria racial é condicionada a representação, ou seja, se faz necessária a queixa-crime do ofendido para que se inicie a ação penal e o acompanhamento do processo pela vítima.
A primeira ação que deve ser tomada quando se é vítima do crime de injuria racial ou de racismo é reunir provas. A melhor maneira é gravar vídeos da ofensa ocorrendo no ato, mostrando o rosto da pessoa. Tente saber do(a) criminoso(a), chame a polícia para fazer um boletim de ocorrência, procure câmeras de segurança e testemunhas.
Quando a ofensa é praticada na internet, é necessário copiar todas as mensagens recebidas o mais rápido possível e, após isso, ir à delegacia especializada em crimes cibernéticos.
Segundo o Portal Geledés, em 2016, o Norton Cyber Security revelou que o Brasil é o segundo país do mundo com o maior número de casos de crimes cibernéticos, sendo que o crime virtual mais realizado é o de racismo. Em 2017, apenas a ONG SaferNet registrou 1751 denúncias de racismo no Facebook, 422 no Twitter, e 174 no YouTube.
Geralmente, as pessoas que praticam crime virtual apagam as provas, por isso, é recomendado fazer uma ata notarial para provar os fatos que aconteceram. A ata notarial nada mais é do que a comprovação de um fato feita por um tabelião, e tem o mesmo valor de prova que um boletim de ocorrência.
Se a queixa do crime racial for registrada corretamente na delegacia de polícia, o caso será automaticamente encaminhado ao Ministério Público quando a Delegacia concluir o inquérito. Através do promotor de Justiça, o Ministério Público deve tomar as providências necessárias para abrir o processo criminal.
Para denunciar casos de racismo em páginas da internet ou em redes sociais, basta que a vítima acesse o portal da Safernet, escolha o motivo da denúncia, envie o link do site em que o crime foi cometido e faça um comentário sobre o pedido. Após esses passos, será gerado um número de protocolo que o usuário deverá usar para acompanhar o processo. O Safernet registrou e processou, em 14 anos, 3.244.768 denúncias anônimas, escritas em 9 idiomas, realizados em 101 países em 5 continentes. Além disso, muitos Estados já possuem a delegacia especializada em crimes cibernéticos.
Outra forma de denunciar é utilizar o canal “Disque 100”, um serviço gratuito do Governo Federal, ou no próprio Ministério Público do estado onde a vítima reside (seja presencial ou a distância).
Por fim, é necessário que à população em geral apoie a vítima de crime racial, que denuncie o crime caso tenha testemunhado o ato, que registre o ato para que a vítima possa utilizar como prova, como Ângela Davis diz
“Não basta ser não racista, temos que ser antirracistas”.
Para que haja efetivação da lei, nada melhor do que nos conscientizar dos nossos direitos e efetivá-los através do sistema judiciário, para que algum dia ninguém seja menosprezado por sua cor de pele, tipo de cabelo ou qualquer outro estereótipo.
Sabrina Santos
Advogada
*Este artigo é produzido com o apoio do Fundo Baobá, por meio do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco.
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