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Crime de Racismo e Injúria Racial – Diferenças e Dilemas


Sabemos que o racismo fez com que o povo negro fosse visto como cidadão de segunda classe, impedindo seu acesso a diversos espaços nos quais só os brancos conseguem alcançar. Após muitas lutas históricas, conquistamos alguns direitos na tentativa de reparar e punir os atos de uma sociedade branca que, há tempos, nos exclui e nos marginaliza.


A Constituição Federal de 1988 garante, em seu art. 5º, que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, e condena a prática de racismo, afirmando ser crime. Na jurisdição infraconstitucional, o Código Penal tipifica como crime ofender alguém com conteúdo discriminatório, essa conduta também é chamada de injúria na forma qualificada ou injúria racial.


Os crimes de racismo e injúria racial são constantemente confundidos por terem algumas características em comum. No entanto, existem diferenças nos conceitos e nas suas incidências jurídicas.


O crime de Racismo como já mencionado, está previsto na Constituição Federal, em seu art. 5º, Artigo 17, onde afirma que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”.


Mas, o que é considerado um ato racista dentro da legislação brasileira? A lei 17.716/89 define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor e, em seu Artigo 20, conceitua que comete o crime de racismo aquele que praticar induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.


Desse modo, para que seja configurado o crime de racismo, a conduta discriminatória deve ser dirigida a determinado grupo ou coletividade, ou seja, é um crime que não se dirige a uma pessoa determinada, mas sim a um grupo delas.


O crime de injúria racial por sua vez, encontra-se previsto no Artigo 140, parágrafo 3º, da Parte Especial do Código Penal Brasileiro dentro dos crimes contra a honra. O referido artigo conceitua que ocorre crime de injúria racial quando elementos referentes à raça ou cor forem utilizados para injuriar alguém. A pena é de reclusão, de um a três anos, e multa.


Injuriar significa ofender a honra e a dignidade de determinada pessoa. Desse modo, pode-se concluir que a injúria racial é cometida quando alguém desrespeita a honra de outra de forma individual, em razão da sua raça e não de um grupo, como acontece no crime de racismo.


A Constituição garantiu que o crime de racismo é imprescritível e inafiançável, no entanto, o crime de injúria racial, conforme o Código Penal é prescritível em oito anos e passível de fiança.


Tendo em vista que o crime de racismo e o de injuria racial versa sobre o mesmo problema, qual seja o preconceito de raça vedado pela CF, o STF decidiu que o crime de injúria racial equipara-se ao crime de racismo e, por esse motivo, também seria imprescritível e inafiançável. Tal decisão foi tomada no julgamento dos embargos de declaração em Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 983.531.


A criminalização do racismo é uma relevante conquista, fruto da luta do Movimento Negro. Mas o que tem sido observado é que há uma constante resistência dos Tribunais em punir e condenar atos racistas.


O levantamento realizado em dezembro de 2017, pela GloboNews, mostra que, desde 1988 apenas 244 processos de racismo e injúria racial foram julgados no Estado do Rio de Janeiro, ou seja, uma média de oito casos julgados por ano.


Ainda segundo a reportagem, entre os poucos casos julgados, quase 40% foram considerados improcedentes pela justiça na área cível. Na área criminal, os réus foram absolvidos em 24% dos casos.


No TJRS não é diferente, em pesquisa realizada pela GaúchaZH apenas 6,8% dos réus foram condenados por racismo e injúria racial de 2005 a 2018.


A página Observatório do Terceiro Setor publicou, em 2017, um artigo com as pesquisas do último levantamento do Laboratório de Análises Econômicas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (Laeser) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mostrando que em quase 70% das ações por crime de racismo ou injúria racial no país quem ganha é o réu.

A Laeser analisou julgamentos em 2ª instância de ações por racismo e injúria racial, realizados nos Tribunais de Justiça de todos os estados, entre 2007 e 2008, nos quais os réis venceram as ações em 66,9% dos casos, contra 29,7% com vitória das vítimas (3,4% eram acórdãos que não eram decisões).


O entendimento do STF é muito importante para reforçar a luta contra o racismo e impedir que a injúria racial seja utilizada como mecanismo de defesa para que aqueles que insistem em proferir discurso de ódio não sejam punidos. Muitos crimes de racismo foram e são tipificados como injúria racial por ser um crime com menor sanção penal, impedindo assim, que os acusados sejam verdadeiramente punidos, enquanto isso, continuamos sofrendo com o racismo e sendo atacados diariamente por uma sociedade que se autodenomina não racista.


Diante de todos esses dados podemos observar que o racismo estrutural e institucional no Brasil ainda é muito latente, por isso, é extremamente necessário termos representatividade dentro dos espaços de poder pois só assim poderemos efetivamente fazer valer os direitos conquistados.


Débora Gonçalves

Advogada

Vice Presidenta da Comissão de Igualdade Racial da OAB/PE



REFERÊNCIAS:


*Este artigo é produzido com o apoio do Fundo Baobá, por meio do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco.

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