Axé, quilombo.
Um dos temas mais recorrentes na prova de filosofia da OAB e concursos públicos é o das espécies de interpretação, e é justamente sobre isso que vamos falar hoje, abordando a interpretação especificadora (declarativa), a interpretação restritiva e a interpretação extensiva. Vejamos cada uma delas.
Uma interpretação declarativa especificadora parte do “pressuposto de que o sentido da norma cabe na letra de seu enunciado”, ou seja, segundo a teoria dogmática “na interpretação especificadora, a letra da lei está em harmonia com a mens legis ou o espírito da lei, cabendo ao interprete apenas constatar a coincidência” (FERRAZ JR., 2001, p. 290).
Para se chegar a uma interpretação declarativa, o interprete deve buscar a vontade do legislador (mens legislatoris), o que faz com que seus efeitos coincidam com o sentido aparente que as suas expressões denotam (COELHO, 1981).
Já a interpretação restritiva ocorre toda vez que se limita o sentido da norma, mesmo havendo amplitude da sua expressão literal, através do uso de considerações teleológicas e axiológicas. A interpretação restritiva, portanto, leva em consideração o critério da mens legis (vontade da lei), levando em consideração a norma jurídica como algo independente da vontade do legislador, assumindo significado próprio, uma vez expressado (COELHO, 1981).
O direito penal, em razão do princípio nullum crimen sine lege (não há crime sem lei anterior que o preveja), deve ser interpretado de forma restritiva, não admitindo também analogia in mala parte. Da mesma forma, o direito tributário não permite interpretação extensiva de seus preceitos, devendo ser interpretado restritivamente.
Em síntese, recomenda-se que toda norma que restrinja os direitos e garantias fundamentais reconhecidos e estabelecidos constitucionalmente deva ser interpretada restritivamente. Também uma exceção deve sofrer uma interpretação restritiva (FERRAZ JR., 2001, p. 291).
A interpretação extensiva, por sua vez, também leva em consideração a mens legis, ampliando o sentido da norma para além do contido em sua letra, demonstrando que a extensão do sentido está contida no espírito da lei, considerando que a norma diz menos do que queria dizer (FERRAZ JR., 2001, p. 290-292).
Determinados ramos do direito tem como regra geral a interpretação extensiva, como as normas dispositivas do direito civil, que por razões históricas funciona como norma supletiva no contexto do direito privado. Da mesma forma, o direito trabalhista pode ser utilizado de forma supletiva às lacunas do direito administrativo no tocante ao funcionalismo público.
No que se refere às formas de classificação das espécies de interpretação, não há um consenso entre os teóricos, existindo diversos critérios e formas de classificação. Vejamos algumas delas:
Segundo Hermes Lima, distinguem-se na interpretação três espécies: a) doutrinária - que assume caráter de atividade científica, ajudando a própria lei a evoluir; b) autêntica – praticada pelo próprio poder que legisla, impondo-se como lei nova, que reproduz ou explica a lei anterior, ou seja, declara de maneira formal e obrigatória como deve ser compreendida a lei anterior; c) judicial – realizada pelo judiciário quando da aplicação da lei (LIMA, 2002, p. 153-154).
No que se refere aos resultados da interpretação, Hermes Lima faz a distinção entre interpretação declarativa, em que se procura fixar o sentido da lei, podendo ser restritiva ou extensiva, existindo, ainda, a interpretação ab-rogante, “que nega sentido e valor a disposições de lei, por verificar que a mesma é contrária e incompatível com outra norma principal” (LIMA, 2002, p. 155-156).
André Franco Montoro, por sua vez, classifica as espécies de interpretação de acordo com três critérios distintos, sendo o 1º critério, quanto à origem ou fonte de que emana. Assim teríamos as seguintes espécies de interpretação: a) judicial, judiciária ou usual – realizada pelos juízes ao sentenciar, tendo força obrigatória para as partes, mas podendo firmar jurisprudência, passando a ser aplicada aos casos análogos; b) legal ou autêntica – quando é dada pelo próprio legislador, através de outra lei, chamada “lei interpretativa”, que se considera como tendo entrado em vigor na mesma data que a lei interpretada, não sendo considerada como uma autêntica interpretação por muitos teóricos, uma vez que é uma nova norma jurídica; c) doutrinária ou científica – é a que realizam os juristas em seus pareceres e obras, analisando os textos à luz de princípios filosóficos e científicos do direito e da realidade social; d) administrativa – realizada pelos órgãos da administração pública, mediante portarias, despachos, instruções normativas etc (MONTORO, 2000, p. 372-373).
O segundo critério adotado por esse autor é quanto aos processos ou métodos de que se serve, podendo a interpretação ser: a) gramatical ou filológica – é a que toma por base o significado das palavras da lei e sua função gramatical, constituindo-se como o primeiro passo para se interpretar, não podendo ser o único método aplicado, pois não considera a unidade que constitui o ordenamento jurídico e sua adequação à realidade social; b) lógico-sistemática – que leva em consideração o sistema em que se insere o texto e procura estabelecer a concatenação entre este e os demais elementos da própria lei, do respectivo ramo do direito ou do ordenamento jurídico geral, supondo a unidade e coerência do sistema jurídico; c) histórica – que se baseia na investigação dos antecedentes da norma, seja do processo legislativo, desde o projeto de lei, justificativa, exposição de motivos, emendas, discussão etc, seja dos antecedentes históricos (leis anteriores) e condições que a precederam, além do estudo da legislação comparada, averiguando se há influência direta ou indireta do direito estrangeiro; d) sociológica – que se baseia na adaptação do sentido da lei às realidades e necessidades sociais (art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil – “Na aplicação da lei o Juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum” (MONTORO, 2000, p. 373-374).
Por fim, o terceiro critério se dá quanto aos seus efeitos e resultados, aqui a interpretação pode ser: a) declarativa – que se limita a declarar o pensamento expresso na lei; b) extensiva – que amplia o alcance da norma para além dos seus termos, partindo do pressuposto de que o legislador escreveu menos do que queria dizer (minus scripsit quam voluit); c) restritiva - que parte do pressuposto de que o legislador escreveu mais do que realmente pretendia (plus scripsit quam voluit), diminuindo o alcance da lei (MONTORO, 2000, p. 374-375).
Por fim, é válido salientar que essas diversas técnicas ou espécies de interpretação não operam isoladamente, na realidade elas se completam, uma vez que não há uma hierarquização segura das múltiplas técnicas de interpretação (SOARES, 2009, p. 90).
Bem, por hoje ficamos por aqui.
Até breve,
Chiara Ramos
Chiara é Doutoranda em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (Clássica), em co-tutoria com a Universidade de Roma - La Sapienza. Graduada e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Procuradora Federal. Co-Fundadora da Abayomi Juristas Negras. Membra da Comissão de Igualdade Racial da OAB-PE. Professora Universitária. Instrutora da ESA e da EAGU. Professora de Cursos Preparatórios para concursos.
Referências
COELHO, Luiz Fernando. Lógica jurídica e interpretação das leis. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981.
FRANÇA, R. Limongi. Hermenêutica jurídica. 9 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
FREIRE, Ricardo Maurício. Curso de introdução ao estudo do direito. Salvador: JusPodivm, 2009.
LIMA, Hermes. Introdução à ciência do direito. 33 ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2002.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.
MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 25 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
SAMPAIO JR., Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão e dominação. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2001.
SOARES, Ricardo Maurício Freire. Curso de introdução ao estudo do direito. Salvador: JusPodivm, 2009.
*Este artigo é produzido com o apoio do Fundo Baobá, por meio do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco. Ele reflete a opinião da Abayomi Juristas Negras e não dos apoiadores que contribuíram com sua produção.
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