No livro “O quilombismo”, Abdias do Nascimento traz algumas preciosas discussões que visam desmistificar a democracia racial, reascendendo a figura dos quilombos como forma de fortalecimento aos descendentes de povos africanos. A importância deste livro é inenarrável pois, apesar de ter sido escrito em 1980, a obra pode ser considerada atual, uma vez que as mazelas descritas pelo autor continuam acometendo os nossos.
O conceito de que quilombo era apenas um local de refúgio para as pessoas escravizadas caiu por terra. Com o passar dos dias, a população negra vem entendendo a importância do aquilombamento, surgindo assim vários quilombos com as reatualizações necessárias a partir de suas vivências e realidades, mas que vivem em perfeita harmonia com os preceitos da época do Brasil colônia.
Após passarmos pelo processo de embranquecimento e silenciamento racial, que por séculos nos manteve em cativeiros internos, impedindo de externar o orgulho de nossa negritude a fim de sermos “aceitos”, chegou a hora de desvendar a falácia sobre a democracia racial, a partir da união fraterna dos nossos povos descendentes da África. Em um trecho da obra citada acima é possível demonstrar a potencialidade a ser alcançada:
“...o quilombismo tem se revelado fator capaz de mobilizar disciplinadamente as massas negras por causa do profundo apelo psicossocial cujas raízes estão entranhadas na história, na cultura e na vivência dos afrobrasileiros.”
E como o quilombismo pode ser aplicado?
A priori é necessário traçar estratégias. Sim, o que moveu a resistência de Palmares aos domínios dos portugueses e holandeses por um século, foram estratégias e táticas de sobrevivência, contribuindo para o progresso das comunidades de origem africana. E, quando falamos de estratégias, elas iam do plantio até a produção e aquisição de armas de guerra que, na época, eram lideradas por pessoas como Dandara, Aqualtune, Ganga Zumba e Zumbi.
A política da sociedade quilombola era regida pela fraternidade, liberdade, solidariedade, convivência e comunhão existencial, justamente o oposto do individualismo eurocentrado que é pregado e que ainda rege a economia e costumes mundiais desde os tempos da colonização. E estes valores são a base de formação a ser aplicada nos novos quilombos.
Então, vocês me perguntam, o que uma revolução teria a ver com estudos para cargos de poder? E eu respondo: TUDO. Um dos embasamentos da fictícia democracia racial é a meritocracia. A todo momento, a sociedade nos impõe a volta para as senzalas, na forma de favela, presídios e locais menos favorecidos, com o argumento de que se não ascendemos é porque não merecemos mas, será que estamos com paridade de armas para competir espaços de poder com os demais? Novamente respondo: não, não estamos. Porém, temos uma força interna que nos guia, a nossa ancestralidade.
Resgatar o aquilombamento em grupos de estudos é a forma de burlar o sistema através da resistência de Palmares, a força desta aliança junto com as estratégias de ocupação faz com que seja suprido nossas vulnerabilidades e solidão, bem como conserva os nossos ideais de comunidade quilombista. É necessário ressignificar a terminologia “coisa de preto” e criar referências para que nossas crianças tenham empoderamento suficiente para alçar voos altos.
Por fim, eu te convido: Vamos fazer Palmares de novo?
Juliana Lima
Advogada
*Este artigo é produzido com o apoio do Fundo Baobá, por meio do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco.
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