A Constituição Federal estabelece no caput do Art. 225 e seus incisos que o direito ao meio ambiente é um dos direitos humanos fundamentais, pois é considerado um bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida. Os direitos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, são direitos fundamentais de terceira geração, ligados ao valor da fraternidade ou solidariedade, relacionados ao desenvolvimento e ao progresso.
O Estado Brasileiro, por meio dos poderes executivo, legislativo e judiciário, são responsáveis por garantir a proteção à vida digna dos cidadãos em todo território nacional. Contudo, mesmo diante de uma tragédia anterior acontecida em Mariana – MG, o governo federal foi omisso em não regulamentar a proteção ambiental, deixando de fiscalizar os documentos da empresa Vale. S.A., que indicavam a instabilidade da barragem de Brumadinho. A falta de fiscalização das estruturas e dos sensores, que seriam capazes de captar os sinais de rompimento da barragem, levaram o poder público a falhar culposamente em seu dever de fiscalização, responsabilizando civilmente o Estado.
É importante destacar o artigo da Constituição Federal que trata a responsabilidade, tanto do poder público, para garantir o meio ambiente equilibrado, quanto para prevenir os danos, bem como a responsabilidade das empresas que podem prejudicar o meio ambiente e sua responsabilização civil, administrativa e criminal:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade.
§ 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
Os documentos apresentados pela Vale foram na contramão da realidade, no qual não impediram que houvesse a ruptura da barragem que liberou 12 milhões de metros³de rejeitos de mineração, o que matou várias pessoas, desabrigou diversas famílias e gerou tragédias sociais e ambientais inimagináveis, levando as pessoas daquela região à marginalização social e impossibilitando-as de terem uma vida digna.
A lona azul que alguns funcionários dizem terem visto sendo colocada por outros funcionários da VALE na barragem, foi incapaz de segurar a lama e a violação da dignidade dos cidadãos na região, liberando assim, tragédias imensuráveis.
A força da onda de 70 km/h de lama com ferro, manganês, alumínio, mercúrio, chumbo, zinco e níquel dissolvidos, soterrou o centro administrativo da Vale onde tinham vários escritórios, equipamentos e trabalhadores. Casas, hortas, sítios, matas e vegetações também foram soterrados, e essa lama, cheia de rejeitos, chegou até o Rio São Francisco contaminando a água para consumo humano e animal.
No relatório do CNDH foi constatado vários danos ambientais, sendo eles:
a) Destruição de habitat e extermínio da ictiofauna em extensão dos rios atingidos;
b) Contaminação da água dos rios atingidos com lama de rejeitos de minério;
c) Suspensão das captações de água para atividades econômicas, propriedades rurais e pequenas comunidades;
d) Assoreamento do leito dos rios e dos reservatórios das barragens de geração de energia;
e) Soterramento das lagoas e nascentes adjacentes ao leito dos rios
f) Destruição da vegetação ripária e aquática;
g) Interrupção da conexão com tributários e lagoas marginais;
h) Alteração do fluxo hídrico;
i) Destruição de áreas de reprodução de peixes;
j) Destruição das áreas “berçários” de reposição da ictiofauna (áreas de alimentação de larvas e juvenis);
k) Alteração e empobrecimento da cadeia trófica em toda a extensão do dano;
l) Interrupção do fluxo gênico de espécies entre corpos d’água;
m) Perda de espécies com especificidade de habitat (corredeiras, locas, poços, remansos, etc);
n) Mortandade de espécimes em toda a cadeia trófica;
o) Piora no estado de conservação de espécies já listadas como ameaçadas e ingresso de novas espécies no rol de ameaçadas;
p) Comprometimento da estrutura e função dos ecossistemas aquáticos e terrestres associados;
q) Comprometimento do estoque pesqueiro - impacto sobre a pesca;
r) Impacto no modo de vida e nos valores étnicos e culturais de povos indígenas e populações tradicionais.
Segundo o relatório, a VALE manifestou-se após dois dias da tragédia,com informações nada concretas,com advogados subornando vítimas, e com o desamparo e a falta de auxílio de várias pessoas. O mesmo relata que, dias antes a empresa informou que estava “realizando a drenagem com o uso de bombas, para reduzir a quantidade de água” sendo que no dia anterior a estrutura apresentou risco de rompimento, com o acionamento do plano de emergência, alarme de sirenes e evacuação dos moradores.
Ainda no mesmo dia, foi proibida a entrada de pessoas na cidade e a evacuação das pessoas, que se encontravam no local, foi interrompida às 15h10, quando foi divulgado um novo comunicado indicando a “normalização no risco de novo rompimento em uma das barragens de água da empresa Vale”. Mesmo assim, não houve fiscalização por parte de nenhum órgão do Estado e uma lona foi colocada na barragem. No dia 25 de janeiro, a barragem cedeu.
Diante do acontecimento, o Ministério Público Estadual solicitou a prisão temporária de funcionários da VALE, os quais informaram, em documentos recentes, que as estruturas das barragens se encontravam em consonância com as normas de segurança responsáveis, atestando a estabilidade das barragens da Vale S.A., bem como deferiu a busca e apreensão nas residências dos referidos e de seus celulares, autorizando a Polícia Judiciária a acessar o conteúdo das mensagens de texto, agenda, dados e mensagens de áudio, vídeo e fotos constantes dos aparelhos, e em qualquer e todos os aplicativos existentes, em especial no WhatsApp para responsabilizar civilmente e criminalmente os envolvidos.
Nota-se que houveram várias violações aos direitos humanos pois, desde 2010, o CDDPH fez recomendações para prevenir tal tragédia, que não foram realizadas e nem acatadas, nem pelo poder público e nem pelas empresas. Pelo contrário, houve menos recursos para fiscalização e o poder público abrandou ainda mais a legislação de que trata a concessão de licenças ambientais. Não se tratou de algo inevitável e natural, mas sim um desastre claramente controlável e social.
Faz necessário destacar que, entre várias recomendações, estavam as seguintes:
● ao Congresso Nacional e à Presidência da República: a revisão do Novo Marco Regulatório da Mineração;
● ao Congresso Nacional e à Presidência da República: a criação de mecanismos de prevenção eficazes no marco regulatório da Lei Nacional de Segurança de Barragens;
● ao Congresso Nacional: a aprovação do PL 29/2015 que institui a Política Nacional de Direitos dos Atingidos por Barragens;
● à Assembleia Legislativa de Minas Gerais: a aprovação do Projeto de Lei 3.312/2016 que institui a Política Estadual dos Atingidos por Barragens;
● à Assembleia Legislativa de Minas Gerais: a aprovação do Projeto de Lei 3.312/2016 que institui a Política Estadual dos Atingidos por Barragens;
● a aprovação do Projeto de Lei que trata do licenciamento e fiscalização ambiental de barragens de rejeitos industriais e de mineração em MG e do projeto de lei que institui a Taxa e Cadastro relativos a exploração de recursos minerários, ambos propostos pela Comissão Extraordinária das Barragens da ALMG;
● ao Estado de Minas Gerais: a revogação da Lei Estadual 21.972, de 21 de janeiro de 2016, que alterou o licenciamento ambiental.
Logo, pode-se concluir que, diante da omissão do poder público, para regulamentar leis de proteção socioambiental e para fiscalizar os documentos apresentados, e da empresa VALE, por não acatar as recomendações e se silenciar diante dos fatos que estavam para ocorrer, deixando todas as pessoas em área de risco,estes deveriam ser responsabilizados civil, administrativa e criminalmente, em razão das atividades ou condutas lesivas.
Contudo, foi verificado que a Vale S.A. realizou diversos acordos referentes às indenizações de familiares de vítimas e de sobreviventes, junto ao Ministério Público do Trabalho, no mês de julho de 2019. Somando-se a isso, houve a assinatura do poder público do Decreto nº 8.572/2015, considerando natural o desastre decorrente do rompimento ou colapso de barragens que ocasione movimento de massa, com danos a unidades residenciais minimizando as responsabilizações dos envolvidos em tamanha tragédia.
Sabrina Santos
Advogada
*Este artigo é produzido com o apoio do Fundo Baobá, por meio do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco. Ele reflete a opinião da Abayomi Juristas Negras e não dos apoiadores que contribuíram com sua produção.
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