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O perdão tem cor? Big Brother Brasil 21

Atualizado: 23 de fev. de 2021


O Big Brother Brasil (BBB) tem sido um dos maiores programas de entretenimento da TV brasileira nos últimos tempos e, para ir de encontro com as discussões sobre o tema racial no atual cenário mundial, os organizadores viram a necessidade de igualar o número participantes negros e não negros na edição deste ano.


Participantes negros do BBB 21


Logo na primeira semana, o programa tornou-se o assunto principal na internet e nas ruas, e não por um bom motivo para a comunidade negra. O Brasil inteiro passou a debater, julgar e cancelar os participantes (negros).

Os estereótipos criados e fortalecidos pela mídia desde os primórdios, ficaram ainda mais evidentes nesta edição, que tem como a grande vilã uma mulher negra raivosa, que grita, fala batendo palma, censura e humilha quem foi considerado o primeiro vilão, um jovem negro visto pelos demais participantes como vagabundo, preguiçoso, violento, estereotipando-o como, pasmem, preto estuprador. Neste momento, foi criado o perigo que a autora Chimamanda sintetizou em sua obra "O perigo da história única":


“A história sozinha cria estereótipos, e o problema com estereótipos é que não é que eles não são verdadeiros, mas que eles são incompletos. Eles fazem uma história se tornar a única história.”

Diante disso, a branquitude encontrou uma ótima oportunidade para serem agressivos e para destilarem seu racismo na “legalidade” afinal, já que estes são os vilões, isso seria o correto, ou não? E o pior, foram mais além e jogaram a responsabilidade inteira no movimento negro, julgando todos os negros como iguais.

Por um momento acreditamos que o quilombismo pregado por Abdias Nascimento, iniciado com Babu Santana na edição anterior ao colocar a raça na frente das demais relações, seria a base desta edição, mas esquecemos que este programa é de uma emissora que sempre pregou a hegemonia branca em suas novelas, que, inclusive, foi processada por retratar a Bahia, o estado com maior número de negros fora do continente africano, com um elenco majoritariamente branco e que, por duas vezes, gravou a obra do eugenista Monteiro Lobato. Ou seja, uma empresa que lucra milhões satirizando e estereotipando o nosso povo.

De outro modo, esquecemos que o colonizador, quando sequestrou nossos ancestrais da mãe África, percorreu por diversos países e tribos, que tinham pensamentos e culturas diversas, e que muitas dessas eram rivais. Por isso, somos um povo plural, até mesmo na militância, com pensamentos e estratégias diversas, mesmo que o racismo nos oprima tentando nos colocar em uma caixa. Sueli Carneiro sintetiza, em sua obra "Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil", este pensamento:


“Uma das características do racismo é a maneira pela qual ele aprisiona o outro em imagens fixas e estereotipadas, enquanto reserva para os racialmente hegemônicos o privilégio de ser representados em sua diversidade”.


É importante destacar que o movimento negro é coletivo e que pessoas que integram ou não estes movimentos não podem representar uma luta de séculos.


Nem todo mundo que 'tá é

Nem todo mundo que é tá."

Emicida - BANG!


Outra compreensão é sobre o auto-ódio, que é uma internalização dos preconceitos que uma cultura dominante coloca sobre si. Desde o Brasil colônia e perpassando pela era do embranquecimento, o colonizador induz os negros a terem uma ojeriza à seus traços e à sua cultura. Assim, fomos condicionados pelo racismo estrutural a ter como ideal o padrão branco, Neusa Santos Souza, em seu livro “Torna-se negro”, retrata, pelo ponto de vista da psicanálise, de como o ideal da brancura é dilacerante.


Karol Conka


A rotulada vilã desta edição é a cantora, Karol Conka, que apresentou em apenas dez dias seus traços narcisistas e, apesar de suas músicas sobre o empoderamento estético e aceitação de seus traços negros, denota em seus atos um elevado grau de auto-ódio.

“tendo como ideal de ego fundado na dupla opressão de classe e de cor”, Neusa Santos em sua obra "Torna-se negro".


Assim, elegendo a brancura como ideal do ego, criou em si uma ferida narcísica grave. Porém, Karol esquece que mesmo se portando com o ego da brancura, sim as mulheres brancas constantemente humilham e subjugam homens pretos, ela tem o corpo de uma mulher negra e seu julgamento é sempre mais severo, fato comprovado por pesquisa realizada pelo CNJ:


Das pessoas que passaram por audiência de custódia, 65% foram identificadas pelas pesquisadoras como sendo negras. (...) já que, entre as pessoas brancas detidas e conduzidas à audiência de custódia 49,4% permaneceram presas e 41% receberam liberdade provisória cautelar e, entre as pessoas negras, 55,5% tiveram a prisão mantida e 35,2% receberam liberdade provisória com cautelar.”


Assim como a arte imita a vida, a reação pelos erros cometidos na "casa mais vigiada no Brasil" tem dois pesos e duas medidas. Recordemos de Ana Paula Renault, participante do BBB de 2016, que xingava, apontava o dedo, gritava, menosprezava os demais participantes e que, inclusive, foi expulsa por chegar a vias de fato com outro participante, quando saiu da casa foi aclamada pelo público e levou o título de dona do BBB 2016, participando de novelas e outros realitys. Já Karol Conka recebe o escárnio e cancelamento da forma mais cruel, pois desejam a morte dela.

Outro julgamento desnivelado foi o de Lucas Penteado, que inclusive gerou muitos gatilhos aos telespectadores negros. Tudo iniciou quando Kerline, mulher branca, simulou interesse “brincando” para com o mesmo (recordem do estigma de domínio da mulher branca para com o homem negro). Ao final da festa, depois de alcoolizado, Lucas busca satisfação, discute e chora. Isto foi motivo para iniciar dentro da casa o isolamento dentro do isolamento, além da menção ao estereótipo do negro estuprador. Já na edição anterior, o participante Pyong Lee assediou duas participantes, pediu desculpas e continuou sendo amado, inclusive, os participantes custaram aceitar a sua eliminação do programa. O perdão tem cor.

Lucas Penteado

Recordemos que a violência do homem negro vai além da física, da exclusão do seu corpo em espaços. A maior violência é a psicológica, segundo as estatísticas do Ministério da Saúde, jovens negros tem maiores chances de cometer suicídio.

Os ataques e a complacência dos participantes é praticamente uma sentença de morte, à ele não cabe o perdão, não cabe uma segunda chance, até Felipe Prior, na edição anterior, mesmo não demonstrando arrependimentos por seus atos, teve outra oportunidade de socializar. Animalizar o homem preto é naturalizado desde a colonização, Mano Brown sabiamente sintetiza essa dor em sua obra:


“Nego drama Cabelo crespo e a pele escura A ferida, a chaga, à procura da cura. (...) Sente o drama O preço, a cobrança No amor, no ódio, na vingança. (...) Eu sou o mano, homem duro, do gueto, Brow, oba Aquele louco que não pode errar" Mano Brown - Negro drama

O objetivo não é legitimar ações incoerentes, falas problemáticas ou fazer defesa de atitudes indefensáveis. Como lutamos por igualdade de justiça social, apenas apresentamos a possibilidade de um “julgamento” justo que não seja baseado no ódio à cor. Somos diversos e somos falhos, mas o amor sempre teve cor nos livros e na dramaturgia e, segundo eles, apenas quem possui a brancura é digno de tê-la, ao oposto resta o escárnio.

E aos que usam a pauta do movimento para legitimar ações injustificáveis, cabe a cobrança da justiça de Xangô, com a ancestralidade não se brinca e não faz piada. O movimento é muito maior, é resistência desde a senzala e não serão quatro personagens com frases feitas que irão deslegitimar.

Em memória de Zumbi, Dandara, Lélia Gonzalez, Beatriz do Nascimento respeitem a nossa história e não reduzam as nossas lutas.


Juliana Lima

Advogada




*Este artigo é produzido com o apoio do Fundo Baobá, por meio do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco. Ele reflete a opinião da Abayomi Juristas Negras e não dos apoiadores que contribuíram com sua produção.

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