Nos dias atuais, há uma quantidade massiva de informações disponíveis aos cidadãos que querem consumir um determinado produto, diante disso, o cliente não consome apenas o produto, ele também consome a marca e tudo que estiver relacionada nela, como sua responsabilidade social.
A Constituição Federal de 1988, em seu inciso terceiro e sétimo, estabelece que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar à todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados alguns princípios. Dentre eles, estão elencados a função social da propriedade e a redução das desigualdades regionais e sociais.
Um dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), estabelecidos pela ONU, na agenda 2030, é a redução das desigualdades.
A adoção de estratégias para redução de desigualdades sociais por parte das empresas como função social, significa comprometer a liberdade da raça humana da tirania da pobreza e da penúria para curar e proteger o planeta. Para tanto, é necessário primeiro saber as problemáticas que envolvem as desigualdades sociais, para que assim a redução, apoiada por ações tidas como propósito das empresas, seja concretizada de fato.
Uma pesquisa realizada pela Kantar, do Barômetro Global da Covid-19, revelou que “para 86% dos respondentes, as marcas devem falar sobre como poderão ser úteis na crise”.
Hoje, as empresas estão procurando passar, cada vez mais, os seus valores sociais através da marca e, para isso, é necessário implantar um processo de inovações de cunho social a partir da adoção de comportamentos, práticas e atitudes individuais ou coletivas orientadas através das visões éticas, que têm como base os direitos humanos.
Segundo dados da oXfam, depois da pandemia a desigualdade tornou-se bem maior, onde 50% da população vive em média com menos de R$ 700 por mês e os 10% mais pobres com menos de R$ 1 por dia. Para além disso, a pandemia intensificou ainda mais as desigualdades raciais, segundo a pesquisadora da Fiocruz "(...) a realidade da classe trabalhadora de baixa renda, majoritariamente negra e moradora de territórios vulnerabilizados, é outra. A população negra está na mesma tempestade, mas não no mesmo barco."
O Estatuto da Igualdade Racial, em seu artigo 1º, VI, conceitua ação afirmativa como programas e medidas adotadas pelo Estado e/ou Iniciativa Privada para proporcionar igualdade de oportunidades e correção de desigualdades.
A opinião da Epidemiologista, coordenadora do GT Racismo e Saúde da Abrasco e docente da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Edna Araújo, é de que "o perfil dos trabalhadores na pandemia são predominantemente trabalhadores precarizados, que não têm o privilégio de ficar em casa, em regime de trabalho remoto; que utilizam os transportes públicos superlotados; que têm acesso precário ao saneamento básico; e que estão na linha de frente do atendimento ao público no setor de serviços, incluindo os de saúde". Ela complementa, ressaltando a negação de direitos vivenciada cotidianamente pela maioria dos negros e negras no país: “No Brasil, o enfrentamento à pandemia da Covid-19 tem desvelado não somente a insuficiência do nosso sistema de saúde, aliás condição comum a muitos sistemas de saúde do mundo frente a uma pandemia, mas também a desigualdade social oriunda da alta concentração de renda e do racismo nas suas mais variadas formas, que fazem com que o nascer, viver, adoecer e morrer da população negra sejam mediados por condições de miserabilidade, de privação de direitos, de moradia e de emprego formal”.
Uma divisão da sociedade brasileira em décimos de renda, informada pelo IBGE, mostra que entre os 10% mais pobres, 21,9% são brancos e 77,0% são negros. Já no décimo mais rico, a proporção se inverte: 70,6% são brancos e 27,2% são negros neste grupo.
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Como podemos observar em relação a educação, a população negra representa os piores índices, contudo a pesquisa não foi mais afundo na questão gênero/raça, mas podemos supor que a mulher negra, estaria, em razão do racismo estrutural, em um índice desproporcional.
Um artigo na Uol afirma que a desigualdade tem cor "A desigualdade é a escravidão de hoje, o novo câncer que impede a constituição de uma sociedade democrática." O cientista político José Murilo de Carvalho foi enfático no livro "Cidadania no Brasil". A ligação é perceptível em outros países com passado colonial e escravocrata, mas é mais evidente no país que foi o último a abolir o trabalho escravo no Ocidente. Os dados do IBGE, que mostram que as mulheres negras ganham metade do salário dos homens brancos e enfrentam o dobro na taxa de desemprego que eles, são provas bem atuais dessa herança.
Segundo o estudo apresentado pelo Instituto Locomotiva, que traz um panorama do consumo negro no Brasil, os negros no Brasil representam 54% da população e movimentam, em renda própria, R$ 1,7 trilhão por ano. Apesar disso, 72% dos consumidores negros consideram que as pessoas que aparecem nas propagandas são muito diferentes deles e 82% gostariam de ser mais ouvidos pelas empresas”.
O perfil do consumidor está em processo de transformação nos últimos anos devido a quantidade de informações disponíveis na internet. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Ethos revela que 50% dos consumidores brasileiros se declaram adeptos da prática de apoiar ou punir empresas com base na sua participação social. Além disso, a pesquisa revela ainda que 24% dos consumidores preferem comprar produtos ou serviços de empresas que têm responsabilidade social em detrimento daquelas que não têm essa preocupação. Há um novo perfil de consumidor, que está preocupado com as questões raciais.
O Ministério Público do Trabalho, em Nota Técnica do GT de Raça nº 001/2018, criou possibilidades de realizar processos seletivos específicos para concretização da igualdade constitucional "a) a contratação específica de trabalhadores oriundos da população negra; b) anúncios específicos; c) triagem específica via plataformas digitais desde que fique expresso que tal iniciativa visa garantir a concretude do princípio da igualdade tratando-se de uma ação afirmativa no âmbito da iniciativa privada".
Com base nesses dados, a empresa Magazine Luiza, com o intuito de promover a inclusão de minorias nos locais de trabalho, lançou um programa de trainee em que as vagas eram direcionadas a indivíduos negros. Pode ser observado que a referida empresa se utilizou do marketing de causa para agregar valor a sua marca e para contribuir com a responsabilidade coletiva atribuída a todas as empresas, com o intuito de promover um ambiente onde as chances realmente alcancem um maior número possível de indivíduos, diminuindo várias barreiras.
A Empresa deve alinhar o seu propósito comprometida com o seu valor, gerando poder de transformação no mundo e gerando impactos sociais. Para isso, o plano estratégico deve conter três elementos: propósito, responsabilidade e transparência. Quando uma empresa atinge a função social gerada com os seus produtos ela também atinge a responsabilidade social gerada por sua marca, ou seja, a empresa deve se preocupar com o meio ambiente e promover melhorias à comunidade, pois isso gera valor à marca e cada vez mais o consumidores valorizam a atuação das empresas preocupadas com o bem estar social.
Segundo Francisco Paulo de Melo Neto e César Froes, autores do livro Responsabilidade Social e Cidadania Empresarial, existem várias maneiras diferentes de abraçar uma boa causa. De acordo com eles, há classificações que nos ajudam a entender de quais formas as empresas podem promover mudanças positivas no planeta.
Marketing de filantropia: empresas que se comprometem a fazer doações às entidades beneficiadas
Marketing de campanhas sociais: podem ser os anúncios de interesse público estampados nas embalagens de produtos, assim como os percentuais de vendas destinados a causas sociais. Ações sociais veiculadas em mídia televisiva, por exemplo, também compõem essa categoria
Marketing de relacionamento com base em ações sociais: é quando a equipe de vendas de determinada empresa incentiva seus consumidores a se tornarem usuários de serviços de cunho social
Marketing de promoção social do produto e da marca: ocorre quando a empresa utiliza o nome ou a logotipo da entidade em seus produtos e serviços com objetivo de aumentar suas vendas. Assim, a receita gerada ou parte dela é revertida para a causa da entidade
Marketing de patrocínio de projetos sociais: são as empresas que patrocinam seus projetos sociais ou de terceiros por meio de recursos próprios. É bastante comum em parcerias com o governo, por exemplo.
Em suma, a missão da empresa deve estar alinhada a responsabilidade social, por isso vale ressaltar que a empresa que está preocupada com a sua imagem perante a sociedade, primeiramente deve focar na responsabilidade social e não no marketing pois, conforme conceitua Kotler (1978), o conceito de marketing social é visto como sendo o processo de criação, implementação e controle de programas criados para influenciar a aceitabilidade de ideias sociais e mobilizar a comunidade em prol de uma causa.
Se envolver a responsabilidade social com o desenvolvimento sustentável da comunidade e, mais especificamente, fomentar políticas afirmativas para reduzir as desigualdades sociais é uma forma de promover os direitos humanos de liberdade, igualdade e solidariedade, para permear a conduta empresarial em benefício da sociedade.
Sabrina Santos
Advogada
*Este artigo é produzido com o apoio do Fundo Baobá, por meio do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco. Ele reflete a opinião da Abayomi Juristas Negras e não dos apoiadores que contribuíram com sua produção.
Referências:
https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-10/pandemia-revela-desigualdades-raciais-dizem-pesquisadoras
https://blogs.correiobraziliense.com.br/servidor/populacao-negra-movimenta-r-17-trilhao-no-brasil-revela-pesquisa-do-instituto-locomotiva/
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