O mundo que conhecemos está longe de ser igualitário. A todo o momento somos bombardeados com atos racistas que são minimizados e tratados como brincadeira (racismo recreativo) e nós ainda somos acusados de fazer o famoso “mimimi” e nos vitimizar, pois o racismo, para muitos, não existe.
A nossa luta por igualdade e oportunidades não é de agora e se hoje podemos falar sobre isso, devemos agradecer aos nossos ancestrais, que tanto lutaram para nos garantir alguns direitos na tentativa de minimizar as gritantes discrepâncias entre negros e brancos. Ao longo da história, muitos heróis negros viveram as suas vidas lutando pela igualdade do nosso povo e pela sua inclusão na sociedade.
Hoje, dia 19 de maio, iremos falar um pouco sobre um ativista muito importante para a história Afro-americana e que teve repercussões em todo o mundo. Estou falando do Malcolm Little, mais conhecido como Malcolm X, que completaria 95 anos nesta data, caso não tivesse sido brutalmente assassinado.
Malcolm X foi um dos mais importantes militantes americanos na luta contra o racismo nas décadas de 50 e 60, nasceu em Omaha, Nebraska e era o quarto filho de Earl Little e Louise Little. Seu pai pertencia à Universal Negro Improvement Association e também foi um ativista muito importante no movimento em defesa dos direitos dos afro-americanos, perseguido por grupos racistas brancos, principalmente pelo Ku Klux Klan. Em 1931, o pai de Malcolm foi assassinado e, surpreendentemente, sua morte nunca foi desmascarada, mas se especula que, provavelmente, ele tenha sido morto pelos supremacistas brancos que o perseguiam.
Com a morte do pai, a família de Malcolm se desestruturou e ele cresceu em centros de adoção em Lansing até 1941. De acordo com a sua autobiografia, na escola era um bom aluno, único negro da sua turma e queria ser advogado, mas logo que manifestou sua vontade foi desencorajado, como muitos de nós. Seu professor branco, disse ser um absurdo a ideia de um negro ser advogado e que ele jamais seria contrato por escritórios de advocacia, ele deveria procurar uma profissão que melhor se “adequasse a sua cor” e carpinteiro seria uma ótima escolha, em razão de sua estrutura física. Depois desse dia, tudo mudou e ele passou inibir os seus sonhos e a se conformar com a ideia de que não poderia ser nada daquilo que sonhava.
O Jovem Malcolm foi morar com sua irmã, em Boston, após o período escolar. Lá trabalhava como engraxate e, diante das dificuldades sofridas por um jovem negro sem esperança de dias melhores, acabou seguindo caminhos difíceis, passou a usar drogas e cometer alguns delitos.
Em 1946, Malcolm foi preso e encaminhado para uma prisão em Norfolk, no estado de Massachusetts. Nesse período, influenciado por seu irmão Reginald Little, conheceu a Nação do Islã, uma organização que defendia os direitos afro-americanos e a ideia da formação de uma sociedade de negros separada da dos brancos.
Malcolm, então, se aprofundou na religião, leu muitos livros e passou a manter contato com o líder da Nação do Islã, Elijah Mohammad, com o qual firmou uma grande amizade. Ao sair da prisão, o ativista se converteu e passou a ser chamado de Malcolm X, além disso, tornou-se um dos principais líderes da religião, transformando-se em ministro de um templo da organização no Harlem.
A boa oratória e o poder de argumentação e convencimento eram as principais armas de Malcolm X, na Nação Islã ele entendeu que nós, negros, não podemos nem devemos viver à sombra de uma sociedade racista que dita quem podemos ou não ser.
“Meus irmãos e irmãs pretos, ninguém jamais saberá quem nós somos... até nós sabermos quem somos! Nunca seremos capazes de ir a qualquer lugar, se não soubermos onde estamos.” Malcolm X.
Em seus discursos, Malcolm sempre incentivou o povo negro a lutar por seus direitos e se unir contra os atos atentatórios dos brancos opressores.
A repercussão de Malcolm X nos Estados Unidos e no mundo atraiu vários olhares e não agradou o governo do país, que entendia as palavras de Malcolm como afronta à nação, atos de terrorismo e ameaça à estrutura do governo. De fato, podemos dizer que era uma ameaça à estrutura de um governo racista e excludente dos negros.
Malcolm X começou a ser muito perseguido pelo governo estadunidense e pelos supremacistas brancos, sua acessão não agradou nem as lideranças religiosas, pois ele sempre foi muito enfático em suas falas e não tinha medo de expressar os seus ideais.
Suas palestras não estavam mais repercutindo positivamente na nação do Islã, então, em 1960, ele entrou em choque com o líder da organização, Elijah Mohammad, após diversos desentendimentos que repercutiram na sua suspensão como ministro e, logo mais, a sua saída. Em 1964, ele fundou sua própria organização religiosa, a Muslim Mosque Inc (Associação da Mesquita Muçulmana). Essa organização atraiu muitos dos membros que haviam se filiado à Nação do Islã por causa do Malcolm.
A saída de Malcolm X do Islã e a abertura de uma nova organização lhe rendeu ainda mais inimigos, pois além da perseguição do governo, a nação também passou a observar seus passos. No entanto, o ativista seguiu seus ideais, mesmo sabendo que poderia morrer a qualquer momento.
O ativista fez diversas viagens e iniciou uma jornada religiosa durante a qual visitou a cidade sagrada do Islã, Meca, na Arábia Saudita. Malcolm X adotou um novo nome: El-Hajj Malik El-Shabazz e viajou pelo continente africano, fundando a organização pan-africana não religiosa que defendia os direitos humanos para todos os descendentes de africanos.
A abertura da nova organização e as descobertas realizadas ao longo da jornada religiosa trouxeram algumas transformações nos pensamentos de Malcolm X. Ele passou a lutar pelo reconhecimento de mais direitos e adotou uma postura mais diplomática. No entanto, a nova fase de Malcolm durou pouco tempo.
No dia 21 de fevereiro de 1965, enquanto realizava uma palestrava no Harlem, Malcolm X foi alvo de um ataque, sendo morto com mais de dez tiros e, assim como aconteceu na morte do seu pai, não se sabe ao certo quem mandou matar Malcolm X.
Após as investigações, o governo prendeu três homens pertencentes à Nação do Islã, acusados de terem disparado os tiros contra Malcolm X: Talmadge Hayer, Norman Butler e Thomas Johnson. O primeiro, réu confesso, afirmou ter efetuado disparos, no entanto, Butler e Johnson negaram a autoria até o dia das suas mortes. Pesquisas não reconhecidas pelo governo estadunidense apontam a inocência dos dois acusados, que sequer estariam no local no dia do atentado, além de terem apontado diversos erros na condução do caso Malcolm X. No entanto, até hoje não se sabe quem mandou matá-lo, se integrantes da Nação Islã ou se o próprio governo dos EUA.
Muito mais que uma voz para opressão, Malcolm X era uma liderança, alguém que, mesmo diante da ameaça da própria vida, jamais desistiu de defender os seus ideais, pois tinha um sonho, um propósito de ver garantido o direito do povo negro, de não deixar que outras crianças negras fossem desestimuladas de seus sonhos, assim como ele fora.
Casos como o do pai de Malcolm X e como o do próprio ativista, infelizmente, se repetem por gerações, estudando sobre a sua vida desse líder é impossível não fazer menção ao caso de Marielle Franco, ativista brasileira negra, brutalmente assassinada em 14 de março de 2018, que lutou bravamente pelos direitos do povo negro, utilizando a lei como seu escudo. Marielle foi escolhida por seu povo para exercer um cargo político e defende-lo, lutou por isso até a morte, nunca abandonou seus ideais e, assim como X, até hoje não se sabe quem mandou matar Marielle.
Hoje seria aniversário de Malcolm X e seus 95 anos devem ser lembrados como símbolo de força, de gratidão e de aprendizado sobre tudo o que ele falava. Suas lições permanecem fazendo todo o sentido em nossos dias, mesmo após 55 anos de sua morte, continuamos lutando pelas mesmas pautas, requerendo os mesmos direitos de igualdade, reconhecimento e repúdio ao racismo estrutural. Muitas conquistas ao longo desses anos aconteceram, mas a luta por equidade de raças está longe de acabar.
“Acredito que haverá um choque entre os oprimidos e aqueles que oprimem. Acredito que haverá um choque entre aqueles que querem liberdade, justiça e igualdade para todos e aqueles que querem continuar os sistemas de exploração”.
Al Hajj Malik Al-Shabbaz, mais conhecido como - Malcolm X.
Débora Gonçalves
Advogada.
*Este artigo é produzido com o apoio do Fundo Baobá, por meio do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco.
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